sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Vale tudo por Pedro Santos Guerreiro

Os políticos estão nesta campanha como os pilotos estão para a TAP: querem ganhar eles, custe o custar, aos outros. Os argumentos da sua vitória podem significar a ruína colectiva, mas no fundo todos crêem no mito da viabilidade eterna: alguém há-de pagar, isto nunca fecha.Primeiro, a TAP. Claro que isto um dia fecha. Não é por causa desta greve oportunista dos pilotos, em cima das eleições. Mas é com a sua prestimosa ajuda. A reivindicação de aumentos salariais dos pilotos nesta altura tem tanto cabimento como enfiar um melão num quebra-nozes. A não ser que já estejam a constituir-se como comissão de credores antecipada, para que a TAP lhes fique a dever mais dinheiro quando falir.Pela terceira vez escrevo: a TAP está em falência técnica. Não é uma abstracção, é uma necessidade concreta de injecção de capital que o accionista Estado está impedido de dar, por Bruxelas. Sem privados interessados em entrar no capital, pode restar como solução fazer como na Helvécia: fecharam a Swissair, abriram ao lado a Swiss, deixando credores e "direitos adquiridos" pelo caminho. E isto não é "bluff" de administrador, qualquer contabilista o vê.Este fanatismo na TAP só pode existir porque as ameaças de falência não são levadas a sério. No último ano, a pretexto da crise, o Estado tornou-se uma unidade de salvados, sem critério algum que não fosse o número de trabalhadores de uma empresa aflita ou a sua mediatização. Este ciclo da bondade veda o aumento de desemprego mas entope o ciclo de renovação empresarial. E reproduz a aparente inexistência de risco: o Estado salva, o Estado protege, o Estado está, paga, fia, empresta.É uma patranha. A mesma que se ouve cansativamente nesta campanha, um desfile de propostas despesistas com total e irresponsável ausência de preocupação com as contas públicas. Em Portugal tivemos a tragédia de a crise financeira servir de placebo para a crise económica e de concluirmos que, afinal, é preciso mais Estado. Não é. É preciso mais regulação, mais controlo e sindicância, é preciso (sempre foi) investimento público de curta duração para compensar as arritmias de uma recessão, mas não é preciso mais Estado. Mais Estado é mais impostos. Tem-no sido sempre.Na Alemanha, também em eleições, os liberais estão perto de regressar ao poder. Em Inglaterra, os partidos estão a discutir onde vão cortar despesa pública. Em Espanha, só dá aumento de impostos. Mas em Portugal, desnovela--se quem dá mais subsídios, apoios sociais, baixa de impostos, incentivos. O irrealismo é tão grande quanto o dos pilotos da TAP. Mas a deputados pede-se mais responsabilidade que aos sindicalistas.O drama português é o empobrecimento, absoluto e relativo. É sermos campeões da falta de produtividade. É a desigualdade, a baixa riqueza, a tributação. O Compromisso Portugal tinha razão. Medina Carreira tem razão. Vítor Bento escreveu um livro que devia ser literatura obrigatória depois das escolas e antes das escolhas. Os melhores ministros do Governo que agora cessa, Vieira da Silva e Teixeira dos Santos (e Correia de Campos, que saiu a meio do tempo), praticaram governação responsável. Mas são ilhas neste regabofe eleitoralista que, da Esquerda à Direita, vai eleger 230 suaves deputados cujos delírios despesistas serão pagos em violentas prestações por um País em vertigem. Ao contrário da TAP, contudo, não é possível fechá-lo e abrir outro ao lado.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Passagens de nível by Alberto Gonçalves

De acordo com a polémica do momento, e com a reacção socialista à polémica, parece ser ponto assente que o TGV é a linha (ferroviária) que separa a prosperidade colectiva da catástrofe certa. Se não houver TGV e ligação com Espanha, estaremos pelos vistos condenados a uma miséria que nem a Serra Leoa reconhecerá. Por mim, disponho-me a acreditar no dantesco cenário, e a aceitar que se espatife o dinheiro que não temos numa tarefa tão razoável quanto a nossa salvação. Só me resta perceber porquê, o que, nestas matérias, até é o menos relevante. Em primeiro lugar, há a questão dos "fundos" europeus, que talvez nos escapem se o TGV não avançar. Não percebo em que medida 389 milhões compensam os 8,3 mil milhões (fora derrapagens) que o projecto total custa. Em segundo lugar, há a questão de perdermos, metafórica e literalmente, o comboio da Europa. Não percebo de que Europa se fala: o TGV (e variantes) é exclusivo de meia dúzia de países, além de que Portugal, graças ao Pendular, já é um dos sete ou oito no continente (e 10 ou 11 no mundo) que possui alguma coisa aparentada à "alta velocidade". Em terceiro lugar, há a questão da utilidade. Não percebo a quantidade de aerofóbicos necessária para se preferir o TGV aos custos baixos e à rapidez das companhias aéreas low-cost. Em quarto e último lugar, há a questão dos autarcas fronteiriços que exigem o TGV em nome do desenvolvimento regional. Esta questão eu percebo. Claro que, apesar da fama, os autarcas não são boçais a ponto de imaginarem que o TGV pára em todos os apeadeiros como o comboio a carvão. Nem supõem que os passageiros à janela de uma carruagem a 300 km por hora garantam, por telepatia ou milagre, o progresso. A explicação encontra-se nas declarações que, há um par de anos, um presidente de junta prestou ao Correio da Manhã, todo satisfeito por lhe terem plantado um data de aerogeradores na freguesia. Dizia o senhor que as ventoinhas, "muito lindas", atraíam gente para piqueniques em seu redor. Eis, portanto, o que move os autarcas da província: multidões de turistas a merendar na contemplação do TGV. A tecnologia é assim sedutora, e eu próprio não resisto a estender uma toalha e a puxar do farnel sempre que deparo com um painel solar. Depois aparece a polícia e manda-me ir à minha vida. Entre nós, a resistência à modernidade ainda é imensa.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Vão trabalhar, malandros by Pedro Santos Guerreiro

Trabalhar para o Estado é melhor que trabalhar para os privados? No dia 23 de cada mês, é. É o dia do pagamento. O pior são os outros 29 dias. Emprego há sempre, trabalho não.

Olhar para as médias é ingrato, porque uma generalização favorece os muito maus e é injusto para os melhores. Isso é válido para estas frases e para o estudo do Banco de Portugal (Maria Manuel Campos e Manuel Coutinho Pereira), que actualiza a diferença entre salários no Estado e fora dele: os trabalhadores do sector público auferem um salário médio "claramente acima" dos seus congéneres do sector privado. Quão acima? Era 50% superior em 1996, passou a ser 75% em 2005. A assimetria, diz o estudo, é ainda maior quando se calcula o salário por hora (trabalha-se menos horas no Estado).

Ganha-se mais dinheiro, trabalha-se menos horas e o risco de despedimento é zero. Humm... Que paraíso é este?

Não é paraíso algum, é um inferno para o País que o alberga, que paga estes custos para uma produção baixa e serviços mal prestados. Em média... A culpa é, portanto, dos funcionários públicos, certo? Errado. Quem tem de trabalhar mais são os seus chefes, os dirigentes.

Não é preciso ser um perigoso neoliberal para concluir que o Estado tem gente a mais ou trabalho a menos; custos altos e produtividade baixa. O pecado original vem de trás, quando desenfreadamente se subcontratou (na era Cavaco) e contratou (época de Guterres). Que fazer?

Hipótese 1: despedir. Impossível. Todas as circunvalações inventadas para dar a volta à questão (excedentários, supranumerários, mobilidade) falharam. Hipótese 2: fazer uma "desvalorização competitiva dos salários". É o que foi feito na última década, com aumentos salariais abaixo da inflação e, desde 2005, com o congelamento das progressões, uma medida cega para suspender outra medida cega (as progressões automáticas eram uma imbecilidade que dissuadia o mérito e a criatividade: o melhor era estar quieto e nunca pôr em causa o chefe). O problema foi que esse comportamento da última década foi mau para os dois lados: quem recebe compara os aumentos com a inflação; quem paga devia comparar com a produtividade. Daí que o aumento de 2,9% deste ano seja uma aberração eleitoralista.

Se as pessoas trabalham pouco ou mal, a culpa não é sua, mas de quem as contratou e as gere. E quem gere na administração pública ainda é (em média...) quem o partido gosta, quem a cunha prefere e quem a antiguidade protege.

Era tudo isto que esta reforma da Administração Pública queria dinamitar. Mas o secretário de Estado que desenhou uma reforma perfeita no papel, João Figueiredo, foi-se embora antes da obra. O arquitecto não quis ser engenheiro e o resultado é pífio. As progressões tornaram-se mais lentas (em média, passou de três para dez anos), as avaliações continuam omissas. Há ainda dirigentes do Estado que não respeitam as ordens do ministro, não definem objectivos, não avaliam os funcionários (contra o interesse destes!), e passam incólumes a essa "desobediência civil". No final, esses funcionários estão a ser avaliados... pelo "curriculum"! É a negação da reforma.

A Administração Pública tem muitos chefes relapsos e bloqueadores, que derrubam com a inércia o que põe em causa o seu posto. Sobram os funcionários e 1.500 proscritos no quadro de mobilidade, um fracasso onde na prática estão de castigo os que não aceitam ser transferidos de serviço.

A reforma da Administração Pública era a mãe de todas as reformas. No fim da legislatura, a mãe falhou. Venceram os filhos da mãe.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Quimonda....(JN)

Há pais que não comem para alimentar um filho. Nas empresas, a lei da sobrevivência não tem romantismos: para sobreviver, a Qimonda mãe tirou o pão da boca da Qimonda filha. Os lucros acumulados em Portugal foram "emprestados" aos alemães poucas semanas antes da insolvência. Resta um crédito de uma empresa quase falida.A história é contada na página 8 desta edição: a Qimonda alemã penava, deixou de comprar à Qimonda portuguesa, o Governo arregaçou mangas, empenho e financiamento da Caixa para dar oxigénio a uma empresa asfixiada. Os alemães prometeram o que não cumpriram (avalizar o empréstimo da Caixa) e criaram falsas esperanças em Portugal. Para mais, toparam com dinheiro disponível em Portugal, 150 milhões de euros, lucros de vários anos. Levantaram-no e levaram-no para Dresden, o que em condições normais seria mera gestão financeira. Mas em tempos de encerramento de fábrica, é um expatriamento sem regresso.Os investidores estrangeiros são os melhores amigos do mundo até se tornarem desinvestidores estrangeiros. Nesse momento, rasga-se a gratidão e, até, contratos. Veja-se o caso da General Motors, que fechou a fábrica da Azambuja. O Estado português quis reaver incentivos de 132 milhões, ficou com míseros 18 milhões.A Qimonda exportava muito, mas também importava muito: era mais importante para os seus dois mil trabalhadores que para o PIB. O pedido de insolvência é, aliás, uma forma de proteger os interesses portugueses, antes que outros activos também sejam mondados. Temos do que nos queixar na Qimonda. Na GM. Até na Vodafone, que roeu a corda nos investimentos nas redes de nova geração. Mas agora, caro leitor, imagine a história ao contrário: que uma empresa portuguesa está aflita e tem uma filial na Alemanha. É contra que essa empresa seque os lucros de lá em benefício dos que trabalham cá? Pois é, o proteccionismo não é uma força política, é uma fraqueza humana.É por isso que o Banco de Portugal refez os cálculos há dias e, afinal, o saldo do investimento directo estrangeiro desta legislatura caiu 1,6% em vez de subir 16%: porque em 2007 e 2008, anos de crise financeira celerada, as multinacionais pegaram em três mil milhões de euros que habitualmente reinvestiriam em Portugal e transferiram-nos para casa.Manuel Pinho e Basílio Horta bem podem acumular recordes, como acumulam, de captação de investimento estrangeiro. O problema agora é que os lucros estão a ser devolvidos como remessas de imigrantes. É por isso que a prioridade é reter investidores: se fecham, já não reabrem, não em Portugal. E para reter não basta dar apoios e até financiamentos, que a incansável AICEP vá ao Pólo Sul negociar com o Pólo Norte; há que ter criatividade na reconfiguração dos negócios, como a Bosch está a fazer em Braga; e ter gestores que lutem pelas operações de Portugal, como a Autoeuropa teve e tem, apesar de um parêntesis quase trágico com um gestor, o anterior, que se estava nas tintas para Palmela.O investimento estrangeiro cria emprego e nem sempre gera o crescimento económico desejado. Mas é importante para as regiões em que se insere, é volumoso para o país que o acolhe e é formador para quem lá trabalha. É, também, infiel: as empresas estrangeiras são umas marias-vão-com-as-outras. Aí não temos do que nos queixar: foi por isso que também vieram connosco.