sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Crédito bem parado (por Pedro Santos Guerreiro, negocios.pt)

A banca sempre teve as costas largas. Agora, tem também a consciência pesada e os bolsos vazios. Mas mesmo assim, a ameaça do Governo de retirar as garantias aos bancos, se não derem crédito às empresas, só tem uma classificação: é ridícula.
A falta de crédito é das principais ameaças à economia. E leva a medidas tão radicais como a taxas de juro zero nos Estados Unidos. Há projectos parados em Portugal por falta de financiamento, da grande estrada ao pequeno empório; há negócios economicamente viáveis que enfrentam o abismo porque o cliente deixou de pagar e o banco de emprestar. Compreende-se, assim, o sufoco reivindicativo das empresas. O que não se aceita é que o Governo deite demagogia para a fogueira e incendeie a já minada credibilidade dos banqueiros. Era o que faltava o Estado retirar garantias, assim troando ao mundo que os bancos portugueses não prestam. Nem eles nem o próprio Governo, que assim ficaria um avalista incredível. Se uma garantia de Estado pode ser retirada, não é uma garantia. E nesse caso, quem dá garantia à garantia de José Sócrates? Aliás: se os bancos vivem de emprestar dinheiro, por que razão não haverão de querer emprestá-lo? Porque lhes exigiram que se contivessem. E porque não o têm nos seus cofres.Vítor Constâncio pediu no Verão aos presidentes dos bancos que passassem a conceder menos crédito, de modo a fortalecerem os balanços. Os rácios mínimos de capital apertaram, o que na prática significa emprestar menos. E ainda ontem Sócrates falou na necessidade de os bancos se capitalizarem, o que vai dar ao mesmo. Exigir uma coisa e o seu contrário ou é esquizofrenia ou é demagogia.O mercado de financiamento está quase fechado. Ninguém empresta dinheiro a bancos sem garantias e, mesmo para quem as tem, há um rateio à escala global. O único banco que usou garantias foi a Caixa, que tentou obter dois mil milhões, conseguiu apenas 1,2 mil milhões e a um custo elevado. Claro que a Caixa tem uma vantagem inesgotável: tem dez milhões de accionistas a quem não perguntam nem informam o que lhes fazem ao dinheiro. Venha mais um aumento de capital, mil milhões.Para que servirá este dinheiro na Caixa? "Para financiar a economia e melhorar os rácios". Não podem ser mais específicos? Já serviu para o BPN, para o BPP, para estradas. É para financiar os grandes investimentos público-privados? Para acudir às proscritas PME? Para comprar instituições?Os bancos estão a privilegiar os refinanciamentos dos contratos que já existem, sobrando pouco para novas aventuras. A opção é não deixar cair os actuais endividados, ampliando-lhes prazos de pagamento, para conter o mal parado, que afunda clientes e nisso arrasta o próprio banco. Há em 2009 quase 12 mil milhões que têm de ser refinanciados pelos bancos portugueses. O Governo pode esconjurar o capitalismo sem freio, mas em vez de crucificar os maiores bancos portugueses devia elogiar a sua resistência às loucuras que afundaram o sistema financeiro. Digam lá o que disserem, CGD, BES, BCP, BPI e Totta não tinham "subprime" e pouco tinham de Madoff. Basta comparar com os tão elogiados bancos espanhóis, que estão a perder milhões com fraudes alheias, para ver como não assumir riscos não foi uma omissão, mas uma opção.É bizarro, mas o Governo opta por salvar bancos que se portaram mal e criticar bancos que se portaram bem. Melhor faria se guardasse as lições de moral para si mesmo. E supervisionasse o que aí vem: é que depois das ocultações mais ou menos criminosas, primeiro em "holdings" e depois com activos, está na cara que se seguem engenharias para esconder passivos e malparados. Vai preparar-se agora ou espantar-se depois?