sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Acabou. Começou (por PSG)

É um acordar violento. Uma sova de 19 murros no estômago, tantos quantas as medidas apresentadas ontem.
Os políticos falharam-nos. O Governo errou. Sócrates mentiu. Mas ontem isso acabou. Agora nós.Nós. Nós não temos crédito nem temos credibilidade. É criminoso ter esperado tanto tempo para assumir o problema. Porque agora a cura é mais dura. É um corte profundo, a sangue frio.Portugal vai iniciar um novo ciclo recessivo. Economia em queda, falências, desemprego, tudo o que esconjurámos. Os aumentos do IVA, os limites das deduções fiscais, os congelamentos das pensões transferem a crise dos desempregados para os empregados. Mas não havia alternativa. Não hoje. Não depois de dois anos perdidos sem fazer contas e a fazer de conta, para ganhar umas eleições e não cair noutras.Ontem, Sócrates não caiu em si. Ontem, Sócrates caiu de si. Da sua pose impossível, que em vez de inspirar um optimismo reprodutivo transmitiu um irrealismo consumista. Este não é o Orçamento de Sócrates, é o Orçamento de Teixeira dos Santos. Foi o ministro das Finanças quem ontem governou. E só temos a desejar que continue a sê-lo. Porque este pacote acalma os mercados, mas não os faz retroceder de supetão. É preciso que o Parlamento aprove estas medidas, que o PSD obviamente viabilizará, com mais ou menos negociação. E é preciso concretizar as medidas e obter resultados.Este ano estamos safos. A Portugal Telecom não paga um cêntimo de impostos pelo fabuloso lucro da Vivo, mas paga 750 milhões de euros para tapar o seu fundo de pensões e transferi-lo para o Estado, salvando o défice de 2010. A receita extraordinária de outros tempos, que funciona como antecipação de receitas. O Governo tentara com a banca, mas sem sucesso. Conseguiu com a PT.É talvez falta de imaginação: receitas extraordinárias de um lado, aumento de IVA do outro. Mas há também o que nunca houve: a redução média de 5% da massa salarial na Função Pública. É quase como perder o subsídio de Natal a partir do próximo ano, mas em prestações mensais. Os funcionários públicos foram sacrificados por causa da incompetência acumulada e consecutiva dos seus gestores, sempre de cima para baixo. Mas só havia outra alternativa: cortar nas pensões. Era pior.Nos próximos dias, milhares de economistas, comentadores e políticos desfilarão a glória de terem dito que assim seria: eis o Armagedão. Sim, foram milhares. E isso de nada serviu. Hoje somos um país falido. Mas não somos um país falhado. Porque apesar de tanta incompetência governativa, de tanta corrupção, nepotismo, grupos de interesse, de tantos escândalos silenciados, organizações subsidiadas, estranhos financiamentos partidários, mordomias e regalias, ineficiências e má gestão, temos outras coisas de que nos orgulhar. Sobretudo as que não dependem do Estado. Casos de inovação, exportação, investimento, descoberta.Sim, é um acordar violento. Isto não é o princípio de um pesadelo, é o fim de um sonho. Sem pradarias nem trevas, apenas os pés no chão. O que fazer? Dizia ontem o ministro das Finanças: "estamos todos juntos nisto." Nestas alturas, somos sempre todos iguais. Eles contam connosco. E nós não contamos com mais ninguém.Mãos à obra. Eles não fizeram o seu trabalho. Façamos nós o nosso. Restamo-nos. Bastemo-nos.

quarta-feira, 31 de março de 2010

"Why should I buy portuguese?" (PSG)

"Why should I buy portuguese?” Faça esta pergunta em todas as línguas que conhece. Incluindo a portuguesa, nos gerúndios do Brasil. Sim, repita a pergunta “Por que devo comprar português?” tantas vezes quantas precisar até saber a resposta. Não porque queira comprar português. Mas se quer vender português. Porque a Marca Portugal é isso: é a resposta. Centenas de empresas portuguesas sabem a resposta. E muitas delas dão-na ao longo das próximas páginas desta edição, que inaugura um projecto entre o Negócios e a AICEP. Seja bem-vindo: esta é a Must Portugal Global 2010, a revista das melhores empresas exportadoras do País. Entre se faz favor.A economia portuguesa é demasiado pequena para cumprir as ambições de muitas empresas e para viabilizar os seus projectos. As exportações são, pois, o território óbvio de crescimento. Macroeconómico: o PIB, as balanças comerciais, de pagamentos, de transacções, a economia portuguesa. E microeconómico: as receitas, os investimentos, as expansões, as empresas portuguesas. Mas disputar o enorme mercado global é enfrentar uma concorrência veloz e mutante. Não basta a uma empresa fazer bem, é preciso ser reconhecida como aquela que faz bem. A diferenciação do produto. A competitividade no preço. A eficiência na distribuição. A promoção, os “stocks”, as garantias financeiras. E o rótulo: Made in Portugal. Feito em Portugal.É aqui que entra a criação de uma marca global e afirmação dos seus atributos. As campanhas publicitárias sobre Portugal penduradas nas fachadas de prédios em Madrid, coladas nos metropolitanos de Londres, fixadas nos candeeiros de Helsínquia. As feiras, conferências, redes de “networking”, os apoios, estímulos, incentivos financeiros. E a invisível e laboriosa missão da diplomacia económica, que abra portas e feche acordos, contratos, candidaturas. Tudo isto deve ser exigido a um Estado, ao seu Governo, às suas instituições mandatadas. Mas não é a marca que faz as empresas. São as empresas que fazem a marca.Esta Must Portugal Global 2010 revela as empresas, num conjunto seleccionado pela AICEP, que fazem a marca, que levam Portugal aos consumidores internacionais. A célebre máxima kennediana não está ainda suficientemente batida: também estas empresas fazem pelo País sem depender do que o País faz por elas. Ninguém fará por estas empresas o trabalho de exportar, conquistar mercados, vencer concorrentes – servir o cliente, seja ele um consumidor angolano, um entreposto espanhol, um intermediário americano, um cambista suíço. Se hoje somos reconhecidos como um país na vanguarda das energias e da fibra óptica, por exemplo, é porque empresas portuguesas apostaram nesses sectores e neles fizeram projectos de investimento – e de retorno.Os exemplos são os que se seguem. É precisamente na energia que está a maior exportadora portuguesa, a Galp. E é nas telecomunicações que outra está, a Visabeira, aliando a sua presença externa com infra-estruturas, construção e engenharia. Como o fazem a Mota-Engil ou a Zagope. Ou, a jusante, o mobiliário da Haut de Gamme, as tintas da CIN, os revestimentos da Revigrés. Foi a engenharia da Brisa, sobre a plataforma unificada e eficiente da SIBS, que no passado fizeram de Portugal “o País da Via Verde”, um sucesso ainda hoje por replicar noutros países. Que fazem estas empresas? Exportam o seu conhecimento e os seus serviços. Sim, os serviços financeiros também têm compradores no estrangeiro, como sabem e praticam a Caixa Geral de Depósitos ou o Banif. Mas há mais inovação a ser exportada, por empresas como a Bial, uma multinacional farmacêutica em concretização a partir de tecnologia com sede portuguesa. E há mais na tecnologia, há a exportação de serviços da Novabase, da Skysoft, da JP Sá Couto. Provando que “sectores tradicionais” não é antónimo de “sectores de ponta”, empresas de têxtil como a Lanidor aumentam as suas vendas disputando com as maiores multinacionais do mundo. Assim como no calçado, que se reestruturou depois das avançadas asiáticas e representa mais de 1,2 mil milhões de euros de exportações por ano. Parte das quais mercado a conquistar pela Fly London. São produtos de grande consumo, que exigem um controlo logístico e um acesso selectivo à distribuição. É o que fazem os vinhos João Portugal Ramos, os azeites da Sovena, as águas da Unicer, as cervejas Super Bock. Ou os “papéis” da Renova e da Portucel Soporcel. Estas empresas orgulham-se do passado português e escrevem também o seu futuro. Elas não decidiram partir o Galo de Barcelos; decidiram partir do Galo de Barcelos e fazer melhor. Precisam que “Portugal” seja uma marca internacionalmente reconhecível pelos atributos de qualidade. Mas são elas mesmas que, pelo seus próprios atributos, fazem a marca de Portugal todos os dias, em cada um dos seus mercados externos. E isso vale mais que todas as campanhas de publicidade. “Por que devo comprar português?” A resposta está em cada uma das empresas que fazem deste país o Portugal Global. Nos seus produtos, nos seus serviços, nos seus colaboradores, na sua personalidade. Por isso se exporta. Por isso é que importa.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Ai, Cimpor, Cimpor... Amar-te-ão até te matarem (Pedro Santos Guerreiro)

Será mesmo verdade que o PS, perdão, que a Caixa vai impor Mário Lino como "chairman" da Cimpor? Será mesmo verdade que a Caixa chegou a desfraldar o nome de Armando Vara para administrador da cimenteira? Sim, é verdade. É triste, mas é verdade. Já não há nojo. O período de nojo tornou-se supersónico. Jorge Coelho foi um "gentleman", esperou oito anos. Mário Lino nem oito dias. Ao menos tem experiência com brasileiros: comprou-lhes a Prolagos em 1998, num negócio ruinoso para a Águas de Portugal, que presidia.Esta gente nunca mais aprende. O problema não é especificamente Mário Lino, nem o pasmo de vê-lo como alternativa ao competentíssimo Luís Palha (cuja hipótese sugere uma dissolução na Jerónimo, mas esse é outro assunto); é o à-vontade deste sistema que a Caixa promove: políticos que passam do poder tutelar para as empresas como se fossem cândidas borboletas. Saem de ministros para CEO como do Cabaret para o Convento.A Cimpor estava mal antes da OPA e pode ter mudado para pior: o assalto de empresas brasileiras pode amputá-la ou paralisá-la, por conjugação de interesses dos novos donos. A suspeita é verosímil para as próprias autoridades brasileiras: as concorrentes Votorantim e Camargo Corrêa tomaram metade da Cimpor, durante a OPA da CSN, o que pode alegar a cartelização do próspero mercado brasileiro, em prejuízo dos clientes... e da Cimpor. A teoria é de prova impossível, mas basta que a Concorrência brasileira de lá arrede a Cimpor para que o prejuízo se confirme.É por isso que muitos suspeitam de uma aliança entre a Camargo e a Votorantim, que, para mais, teve o apoio da Caixa. Já para não falar da teoria de conspiração em que a própria CSN fez parte do arranjo, avançando com uma OPA (que teria tido sucesso por mais alguns cêntimos) para servir de lebre à entrada dos outros. Nesse caso, não é um conúbio a dois, é um "ménage à trois". Sempre traindo a Cimpor.A Cimpor ameaça deixar de ser uma empresa de ponta e passar a ser a ponta de uma empresa - ou de duas. O único antídoto para essa paralisia é ter uma equipa de gestão competente, independente e forte, que defenda o motor que tem por baixo (a empresa), e não o capot que tem por cima (os accionistas). Tudo menos comissários neutros ou emissários neutralizadores, relatores ou delatores.Os cestos ainda estão a caminho da lavagem mas presidente executivo parece já haver: Francisco Lacerda, um homem Fino, um regresso merecido pela carreira que o precede, apesar de toda a escandaleira no BCP, que viveu. Mas Lacerda precisa de gerir a empresa, não os accionistas. Para isso, tem de ter um "chairman" a sério, que lhe dê respaldo das instabilidades accionistas que vão permanecer. Não de um controleiro.A Caixa esteve contra a OPA por causa da defesa dos centros de decisão nacionais. É um argumento péssimo mas é, ao menos, transparente: salve. Cometeu, em nome do mesmo argumento péssimo, ingenuidades com accionistas que dela fizeram refém: há um ano com Manuel Fino, agora com a Votorantim. Mas a Caixa tem de aprender. Até porque está a ser usada como desbloqueador de "golden shares". Na Cimpor, na Galp, qualquer dia na PT, na EDP...A empresa chama-se Cimpor SGPS, não Cimpor PS. Podem fazer dela uma vaca leiteira de dividendos, para isso ela dá. Mas isso não é um pujante projecto luso-brasileiro, é um irrelevante acordo ortográfico. Mas sempre será melhor que um acordo pornográfico...

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Tragam os liberais, privatizem Portugal by Nuno Santos Guerreiro

O liberalismo não morreu após a crise financeira. Pelo contrário, ela veio comprovar que mais Estado é mais impostos. O PSD devia estar a discutir esse Plano A para o País, não o Plano B para a sucessão interna. É preciso resgatar os liberais das catacumbas. Quem se atreve? Os liberais foram excomungados pelos políticos. Atribuiu-se-lhes a culpa da crise financeira, o que não é rigoroso, e prometeu-se que a deriva dos mercados jamais voltaria a respirar. Mas nem todos os que defendem a economia livre e em concorrência, a iniciativa privada e o Estado regulador estavam errados. Aliás: errados estavam os que previram a morte dos mercados. Ei-los pujantes, lucrativos e decisores de futuros como o de Portugal. A crise medrou na desregulamentação de um ultraliberalismo irresponsável numa geografia específica, a "Anglo-saxónia". Análises erradas concluíram que o ultraliberalismo era o corolário do liberalismo, quando chegou a ser a sua negação: um Estado liberal precisa de regras, de leis, de regulação, de proibições, de cadeias, de punições, de antíteses. Uma coisa, a crise testou: a consistência ideológica de muitos. Derreteu-se como cera ao sol. Um dia voltarão a sê-lo. Quando for chique. Outros apenas hibernaram, deixando passar o Inverno: durante muito tempo, de nada valia questionar as ajudas às empresas mediáticas e empregadoras, que só adiaram falências e desempregos. Sem procura, não há oferta. A alma de um Estado não é um estado de alma. A mesma crise que recolocou o Estado no centro da sociedade, pagando as contas do desvario, mostra como ele é caro de mais. Está na hora de os liberais saírem da toca. Em Portugal, já concluímos que o Estado é caro, insustentável e ineficiente. Não podemos pagar tantos salários, pensões, riscos a privados, filigranas partidárias, subsídios, incentivos, apoios, enlatados sob o chapéu-de-chuva da protecção estatal. Não é uma ideologia, é viabilidade. O País está ao contrário. As empresas entregam dependências ao Estado. E já está a acontecer uma privatização da saúde, do ensino, da segurança, até da justiça que negamos mas que, por ser um escape, e não uma estratégia, privilegia as classes mais altas, discriminando a sociedade pelo dinheiro. Isso não é Estado a mais, é Estado para menos. As escolas privadas, os hospitais, as empresas de segurança, as arbitragens extrajudiciais reproduzem-se, têm listas de espera. São estradas paralelas às escolas sem autoridade, aos hospitais sem disponibilidade, às polícias sem os polícias, aos tribunais sem calendário. A privatização está a acontecer pelas forças do mercado, não por opção do Estado. As suas funções estão a ser redefinidas por imposição, deixando sob o chapéu-de-chuva minguante os que não têm dinheiro e dando incentivos contrários a quem quer, por mérito e correndo riscos, sair de debaixo dele. Os políticos perdem. Já se diz que isto, com Democracia, não vai lá, como alvitrou sinistramente Jorge Coelho há dias. Como avisou Silva Lopes. Como não se atreveu a enunciar Vítor Bento. É por isso que o futuro do PSD é importante. Não para que seja uma alternativa de Governo, isso já é. Mas para que seja uma alternativa política, o que desistiu de ser. A única referência de centro-esquerda hoje é José Sócrates. E de centro-direita também. O que é mau para o País e para ele próprio. Clama-se por acordo político alargado. Antes é preciso que a política alargue. Sim, precisamos de estadistas. Mas também precisamos de políticos. Incluindo os que ousam propor outra via. A do mérito, dos privados, da liberdade económica, do contrário que temos praticado e defendido. Pedimos um Estado lindo, mas ficámos num lindo estado. Repito: quem se atreve?

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Vale tudo por Pedro Santos Guerreiro

Os políticos estão nesta campanha como os pilotos estão para a TAP: querem ganhar eles, custe o custar, aos outros. Os argumentos da sua vitória podem significar a ruína colectiva, mas no fundo todos crêem no mito da viabilidade eterna: alguém há-de pagar, isto nunca fecha.Primeiro, a TAP. Claro que isto um dia fecha. Não é por causa desta greve oportunista dos pilotos, em cima das eleições. Mas é com a sua prestimosa ajuda. A reivindicação de aumentos salariais dos pilotos nesta altura tem tanto cabimento como enfiar um melão num quebra-nozes. A não ser que já estejam a constituir-se como comissão de credores antecipada, para que a TAP lhes fique a dever mais dinheiro quando falir.Pela terceira vez escrevo: a TAP está em falência técnica. Não é uma abstracção, é uma necessidade concreta de injecção de capital que o accionista Estado está impedido de dar, por Bruxelas. Sem privados interessados em entrar no capital, pode restar como solução fazer como na Helvécia: fecharam a Swissair, abriram ao lado a Swiss, deixando credores e "direitos adquiridos" pelo caminho. E isto não é "bluff" de administrador, qualquer contabilista o vê.Este fanatismo na TAP só pode existir porque as ameaças de falência não são levadas a sério. No último ano, a pretexto da crise, o Estado tornou-se uma unidade de salvados, sem critério algum que não fosse o número de trabalhadores de uma empresa aflita ou a sua mediatização. Este ciclo da bondade veda o aumento de desemprego mas entope o ciclo de renovação empresarial. E reproduz a aparente inexistência de risco: o Estado salva, o Estado protege, o Estado está, paga, fia, empresta.É uma patranha. A mesma que se ouve cansativamente nesta campanha, um desfile de propostas despesistas com total e irresponsável ausência de preocupação com as contas públicas. Em Portugal tivemos a tragédia de a crise financeira servir de placebo para a crise económica e de concluirmos que, afinal, é preciso mais Estado. Não é. É preciso mais regulação, mais controlo e sindicância, é preciso (sempre foi) investimento público de curta duração para compensar as arritmias de uma recessão, mas não é preciso mais Estado. Mais Estado é mais impostos. Tem-no sido sempre.Na Alemanha, também em eleições, os liberais estão perto de regressar ao poder. Em Inglaterra, os partidos estão a discutir onde vão cortar despesa pública. Em Espanha, só dá aumento de impostos. Mas em Portugal, desnovela--se quem dá mais subsídios, apoios sociais, baixa de impostos, incentivos. O irrealismo é tão grande quanto o dos pilotos da TAP. Mas a deputados pede-se mais responsabilidade que aos sindicalistas.O drama português é o empobrecimento, absoluto e relativo. É sermos campeões da falta de produtividade. É a desigualdade, a baixa riqueza, a tributação. O Compromisso Portugal tinha razão. Medina Carreira tem razão. Vítor Bento escreveu um livro que devia ser literatura obrigatória depois das escolas e antes das escolhas. Os melhores ministros do Governo que agora cessa, Vieira da Silva e Teixeira dos Santos (e Correia de Campos, que saiu a meio do tempo), praticaram governação responsável. Mas são ilhas neste regabofe eleitoralista que, da Esquerda à Direita, vai eleger 230 suaves deputados cujos delírios despesistas serão pagos em violentas prestações por um País em vertigem. Ao contrário da TAP, contudo, não é possível fechá-lo e abrir outro ao lado.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Passagens de nível by Alberto Gonçalves

De acordo com a polémica do momento, e com a reacção socialista à polémica, parece ser ponto assente que o TGV é a linha (ferroviária) que separa a prosperidade colectiva da catástrofe certa. Se não houver TGV e ligação com Espanha, estaremos pelos vistos condenados a uma miséria que nem a Serra Leoa reconhecerá. Por mim, disponho-me a acreditar no dantesco cenário, e a aceitar que se espatife o dinheiro que não temos numa tarefa tão razoável quanto a nossa salvação. Só me resta perceber porquê, o que, nestas matérias, até é o menos relevante. Em primeiro lugar, há a questão dos "fundos" europeus, que talvez nos escapem se o TGV não avançar. Não percebo em que medida 389 milhões compensam os 8,3 mil milhões (fora derrapagens) que o projecto total custa. Em segundo lugar, há a questão de perdermos, metafórica e literalmente, o comboio da Europa. Não percebo de que Europa se fala: o TGV (e variantes) é exclusivo de meia dúzia de países, além de que Portugal, graças ao Pendular, já é um dos sete ou oito no continente (e 10 ou 11 no mundo) que possui alguma coisa aparentada à "alta velocidade". Em terceiro lugar, há a questão da utilidade. Não percebo a quantidade de aerofóbicos necessária para se preferir o TGV aos custos baixos e à rapidez das companhias aéreas low-cost. Em quarto e último lugar, há a questão dos autarcas fronteiriços que exigem o TGV em nome do desenvolvimento regional. Esta questão eu percebo. Claro que, apesar da fama, os autarcas não são boçais a ponto de imaginarem que o TGV pára em todos os apeadeiros como o comboio a carvão. Nem supõem que os passageiros à janela de uma carruagem a 300 km por hora garantam, por telepatia ou milagre, o progresso. A explicação encontra-se nas declarações que, há um par de anos, um presidente de junta prestou ao Correio da Manhã, todo satisfeito por lhe terem plantado um data de aerogeradores na freguesia. Dizia o senhor que as ventoinhas, "muito lindas", atraíam gente para piqueniques em seu redor. Eis, portanto, o que move os autarcas da província: multidões de turistas a merendar na contemplação do TGV. A tecnologia é assim sedutora, e eu próprio não resisto a estender uma toalha e a puxar do farnel sempre que deparo com um painel solar. Depois aparece a polícia e manda-me ir à minha vida. Entre nós, a resistência à modernidade ainda é imensa.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Vão trabalhar, malandros by Pedro Santos Guerreiro

Trabalhar para o Estado é melhor que trabalhar para os privados? No dia 23 de cada mês, é. É o dia do pagamento. O pior são os outros 29 dias. Emprego há sempre, trabalho não.

Olhar para as médias é ingrato, porque uma generalização favorece os muito maus e é injusto para os melhores. Isso é válido para estas frases e para o estudo do Banco de Portugal (Maria Manuel Campos e Manuel Coutinho Pereira), que actualiza a diferença entre salários no Estado e fora dele: os trabalhadores do sector público auferem um salário médio "claramente acima" dos seus congéneres do sector privado. Quão acima? Era 50% superior em 1996, passou a ser 75% em 2005. A assimetria, diz o estudo, é ainda maior quando se calcula o salário por hora (trabalha-se menos horas no Estado).

Ganha-se mais dinheiro, trabalha-se menos horas e o risco de despedimento é zero. Humm... Que paraíso é este?

Não é paraíso algum, é um inferno para o País que o alberga, que paga estes custos para uma produção baixa e serviços mal prestados. Em média... A culpa é, portanto, dos funcionários públicos, certo? Errado. Quem tem de trabalhar mais são os seus chefes, os dirigentes.

Não é preciso ser um perigoso neoliberal para concluir que o Estado tem gente a mais ou trabalho a menos; custos altos e produtividade baixa. O pecado original vem de trás, quando desenfreadamente se subcontratou (na era Cavaco) e contratou (época de Guterres). Que fazer?

Hipótese 1: despedir. Impossível. Todas as circunvalações inventadas para dar a volta à questão (excedentários, supranumerários, mobilidade) falharam. Hipótese 2: fazer uma "desvalorização competitiva dos salários". É o que foi feito na última década, com aumentos salariais abaixo da inflação e, desde 2005, com o congelamento das progressões, uma medida cega para suspender outra medida cega (as progressões automáticas eram uma imbecilidade que dissuadia o mérito e a criatividade: o melhor era estar quieto e nunca pôr em causa o chefe). O problema foi que esse comportamento da última década foi mau para os dois lados: quem recebe compara os aumentos com a inflação; quem paga devia comparar com a produtividade. Daí que o aumento de 2,9% deste ano seja uma aberração eleitoralista.

Se as pessoas trabalham pouco ou mal, a culpa não é sua, mas de quem as contratou e as gere. E quem gere na administração pública ainda é (em média...) quem o partido gosta, quem a cunha prefere e quem a antiguidade protege.

Era tudo isto que esta reforma da Administração Pública queria dinamitar. Mas o secretário de Estado que desenhou uma reforma perfeita no papel, João Figueiredo, foi-se embora antes da obra. O arquitecto não quis ser engenheiro e o resultado é pífio. As progressões tornaram-se mais lentas (em média, passou de três para dez anos), as avaliações continuam omissas. Há ainda dirigentes do Estado que não respeitam as ordens do ministro, não definem objectivos, não avaliam os funcionários (contra o interesse destes!), e passam incólumes a essa "desobediência civil". No final, esses funcionários estão a ser avaliados... pelo "curriculum"! É a negação da reforma.

A Administração Pública tem muitos chefes relapsos e bloqueadores, que derrubam com a inércia o que põe em causa o seu posto. Sobram os funcionários e 1.500 proscritos no quadro de mobilidade, um fracasso onde na prática estão de castigo os que não aceitam ser transferidos de serviço.

A reforma da Administração Pública era a mãe de todas as reformas. No fim da legislatura, a mãe falhou. Venceram os filhos da mãe.